Escrito por: Artur Starling
O “grito do Ipiranga”, de Pedro Américo, é uma das imagens mais conhecidas quando se trata do tema da independência do Brasil. Esta tela, de 415 cm por 760 cm, está exposta no Museu Paulista, em São Paulo. No centro da imagem, vemos a figura imponente de D. Pedro I, postulado como herói nacional, que teria bradado “Independência ou Morte”, decretando a ruptura com Portugal.
Embora dezenas de gerações de estudantes brasileiros tenham aprendido nas aulas de História que o primeiro imperador do Brasil foi o protagonista da independência, é preciso perguntar: ela foi proclamada por meio de um grito? Este artigo vai mostrar que a História não foi bem assim...
A independência não foi um ato culminado através de uma única ação, e sim um processo gradual de resistência que foi se configurando na então colônia portuguesa na América, ao longo de diversos anos. Ocorre que, desde o início dos primeiros trabalhos historiográficos sobre o Brasil, no século XIX, a visão retratada sobre sua independência era pautada numa descrição de cunho “positivista” ou tradicional. A pintura de Pedro Américo ajudou a consolidar essa visão a partir de 1866, ano em que ficou pronta, pois criou uma narrativa imagética que por muitos anos esteve presente nos livros de História, especialmente em períodos ditatoriais.
Hoje, felizmente, muitos manuais escolares, embora costumem apresentar esta imagem, propõem questionamentos à forma como ela representa a independência. A proposição de discussões críticas e reflexões sobre os acontecimentos do passado ganharam fôlego com o surgimento da chamada Escola dos Annales, a partir do século XX, uma corrente historiográfica que passou a considerar o contexto social dos fatos, revolucionando os conceitos históricos preexistentes. Ao ser incorporada em livros didáticos, essa forma de analisar a história tem evocado novas características na narrativa histórica e provocado mudanças na percepção que muitos tinham sobre o passado.
Os historiadores passaram a enfatizar o papel das pessoas comuns ao longo da História e, principalmente, a colocar em foco a relação presente-passado. Após estudos e análises de novas interpretações sobre a história, antes abordada de forma repetitiva e sem aprofundamentos, há uma nova percepção sobre a independência. Hoje, mais do que saber quem de fato proclamou a independência, interessa colocar perguntas como: a quem interessou essa representação oficial centrada na figura do imperador, apoiado pela elite? Qual o papel do Museu Paulista na institucionalização de uma memória única baseada no “grito do Ipiranga?”.
Convidamos o leitor a lançar um novo olhar sobre o tema, pensando-o como um processo de emancipação. A independência foi um movimento realizado no decorrer de anos, de forma gradual, embora ainda apareça no senso comum como um grito de um homem branco da elite imperial portuguesa. Narrar a independência como sendo proclamada por um grito, e não por anos de luta e resistência, parece um pouco fora da realidade, não é mesmo? Esse irrealismo contribuiu para o apagamento da história de minorias, que foram excluídas do processo de independência e tiveram suas vozes silenciadas.
Vista como processo, ela passou e passa por etapas e construções narrativas envoltas em disputas de memória que mostram que o passado é usado politicamente para respaldar interesses do presente. A história da independência ainda não acabou.
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